terça-feira, 28 de abril de 2009

Srº Roustaing



Espiritismo:Doutrina em Marcha(comunidade)

Os enganos do Sr. Roustaing I

Autor: Josué de Freitas

Pode parecer ao leitor que vamos falar de um assunto já exaustivamente discutido no movimento: as teorias de Roustaing. Mas queremos analisá-lo através de um novo prisma, o da Reforma, que, como todos sabem, tem um modo kardequiano de ver as coisas.

O melhor método para se ter a aprovação dos homens positivos sobre teses duvidosas é justamente o de torná-las conhecidas. Roustaing é bem pouco conhecido dos espíritas. Por este motivo, a partir da próxima edição, a Voz vai publicar uma nova coluna, denominada "Os enganos do Sr. Roustaing", na qual se fará um exame racional de alguns tópicos da obra "Os Quatro Evangelhos".

Jean Baptiste Roustaing foi um advogado da Corte em Bordéus. Viveu na França, no tempo em que Allan Kardec estava preparando a Codificação, e chegou a trocar algumas correspondências com o Mestre. Com a ajuda da médium Collignon, Roustaing publicou quatro livros que ficaram conhecidos como "Os Quatro Evangelhos de J.B. Roustaing". Esses livros se caracterizam por apresentarem graves contradições doutrinárias em relação ao Espiritismo.

Os Espíritos que os ditaram disseram tratar-se dos Evangelistas, assistidos pelos Apóstolos e o profeta Moisés. Além dessa superioridade suspeita, ainda disseram que a obra era a "Revelação da Revelação", algo mais especial e profundo que a própria Codificação. Tratava-se de um fato estranho: porque o Alto enviaria no mesmo tempo em que Kardec dava vida ao Espiritismo (a Terceira Revelação), uma outra revelação? E, justamente pelos meios que o Codificador não aprovava: fora do Controle Universal dos Espíritos? Era uma grande insensatez.

Se os livros de Roustaing tivessem ficado na França, possivelmente logo teriam desaparecido. Mas acontece que eles vieram parar no Brasil e, por meio de uma série de acontecimentos históricos ligados ao nascimento do movimento espírita, tornaram-se o próprio espírito do sistema.

Tudo começou na gênese da Federação Espírita Brasileira - FEB. Quando os primeiros grupos espíritas estavam se formando no país, alguns deles já possuíam as obras de J.B. Roustaing. Numa sessão histórica, ocorrida em fevereiro de 1889 na Sociedade Espírita Fraternidade, no Rio de Janeiro, um médium chamado Frederico Pereira da Silva recebeu uma mensagem assinada pelo próprio Codificador. Dentre outras incoerências, o suposto Allan Kardec dizia que um espírito chamado Ismael iria ser o guia do movimento espírita brasileiro.

Iniciavam-se as distorções na formação do sistema espírita. A metodologia kardequiana começava a ser posta de lado. O comando do movimento espírita nascente seria passado a uma entidade e, no lado material, sua direção acabaria entregue a uma só casa espírita. Estava nascendo o embrião da FEB, chamada depois de Casa Máter do Espiritismo e eleita a representante do Cristo no mundo.

Ninguém percebeu a parecença com o catolicismo que, também a seu modo, dizia ser o "Deus na Terra". Neste tempo, havia desentendimentos entre grupos sobre o futuro do movimento. Alguns centros, denominados "científicos", preferiam um Espiritismo mais objetivo. O grupo sob a influência de Ismael era mais místico e logo tratou de convencer um importante principiante no Espiritismo a passar para suas fileiras. Tratava-se de Bezerra de Menezes. Com a ajuda desse homem, a FEB conseguiu desenvolver um domínio sobre a maioria das sociedades. Bezerra era um homem ponderado e político. Por ter saído recentemente das fileiras católicas, adaptou-se rapidamente ao misticismo de Ismael. Os principais centros espíritas da época estudavam as teorias kardequianas, mas os místicos tinham uma especial atenção com os tais Evangelhos de Roustaing, porque os consideravam um "curso superior" de Espiritismo. Kardec passou a ser interpretado à luz do pensamento roustainguista.

A comunicação de Allan Kardec, dada através do médium Frederico, tinha indícios de ser apócrifa. Porém, por falta de espírito crítico, todos a aceitaram, pensando que fosse mesmo uma mensagem do Codificador. Na verdade, tratava-se da manifestação do espírito Ismael, ligado às obras de J.B. Roustaing. Este Espírito preparava o terreno para estabelecer sua seara. Encontrando nos brasileiros profundas raízes católicas, não teve dificuldades para criar um sistema espírita com fortes tendências místicas, semelhante ao catolicismo.

Quando examinamos os Quatro Evangelhos de J.B. Roustaing, começamos a entender mais facilmente o que aconteceu no movimento espírita, e os motivos pelos quais os centros espíritas costumam assemelhar-se a pequenas igrejas. Os Espíritos que ditaram as obras de Roustaing eram uma falange de entidades ligadas à Igreja Católica medieval.

Nos Quatro Evangelhos, Maria é virgem. Para mantê-la como na Igreja, os Espíritos roustainguistas criaram um Jesus de corpo fluídico, que não teria tido encarnação. Assim, a sexualidade de Maria não macularia o Senhor. O Jesus-deus da Igreja transformou-se no Jesus sem pecados de Roustaing que, segundo seus livros, jamais encarnou e teve evolução em linha reta. Como a carne na Igreja é símbolo do pecado, os Quatro Evangelhos também a abominaram como sendo algo sujo e colocaram a encarnação como fruto do castigo.

Através da FEB, Ismael aproximou-se de Francisco Cândido Xavier e ditou-lhe uma obra que seria o corolário do "Trono de Deus" na Terra: "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho". Como não podia denunciar-se, tomou o nome do respeitável Humberto de Campos (Irmão X). Qualquer pessoa que lê "Lázaro Redivivo" e "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" nota que eles foram escritos por dois Espíritos muito diferentes entre si, principalmente quanto ao caráter.

O suposto "Irmão X", do "Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", faz pura apologia à FEB, e cria a lenda de Ismael. Nascia o livro que faria os espíritas acreditarem que o país estava destinado a governar o mundo. Por trás dessa obra estava a FEB; atrás dela, continuava o Grupo Ismael e, no invisível, o "anjo" com sua falange.

Em alguns períodos distintos, Ismael exerce influência no trabalho mediúnico de Xavier. As pessoas que o assessoravam não perceberam a estranha presença, e deixaram passar nos livros psicografados alguns conceitos eminentemente roustainguistas e mesmo certas contradições doutrinárias patentes. O Espírito não se importou de assinar algumas comunicações com os nomes do eminente Emmanuel e mesmo do pródigo André Luiz.

No livro "O Consolador", o Espírito comete um erro primário: diz que não recomenda a ninguém que se faça evocações (como na Igreja) e que seria mais seguro esperar que as manifestações ocorressem espontaneamente. Mal sabia que o Codificador havia dito justamente o contrário, que as espontâneas é que eram as mais perigosas. Assume uma posição favorável à existência das almas gêmeas, contrariando a teoria de "O Livro dos Espíritos". O erro é visível e a FEB trata de corrigi-lo. A entidade confunde a localização da sede da memória, dizendo que ela se encontra no perispírito, parafraseando um erro histórico de Gabriel Dellane, contrariando ambos a teoria básica.

A força dos livros, corroborada pela exemplar idoneidade de Francisco Cândido Xavier, tornou-se poderosa alavanca para a expansão das idéias ismaelinas. Formou-se o sistema espírita atual, com características eminentemente católicas. Roustaing continua presente. Podemos encontrá-lo na atitude passiva de bom número de espíritas, na falta de gosto pelo estudo, no pouco conhecimento doutrinário, nas palavras vazias de oradores pomposos, na política unificacionista (uma versão moderna do "Fora da Igreja não há salvação") e na imprensa espírita com suas glórias e ídolos.

Allan Kardec é o grande ausente. No final de sua vida, o Codificador estava só. Alguns detratores, que se diziam espíritas, afirmavam que ele queria apoderar-se da verdade e se fazer dono do Espiritismo. Roustaing e seus seguidores estavam entres eles e chegaram a publicar um manifesto contra o Mestre.

Pouco antes de desencarnar, Kardec começou a preparar instruções para salvaguardar de falsas interpretações o movimento nascente. Não chegou a terminar seu trabalho.

Quando lemos seus últimos apontamentos, notamos, com tristeza, que suas preciosas instruções sobre a condução do movimento espírita jamais foram seguidas por seus adeptos.